O passeio na vinícola
 



Cronicas

O passeio na vinícola

Holbein Menezes


Muitos de vocês podem achar que não sou um bom representante da cultura carioca, também não é para menos, gosto de Jazz, amo beber vinho, e sou introvertido. Sei que falo de um estereótipo de comportamento, mas não há como negar que a maioria dos conterrâneos ama o samba, a cerveja, e são extrovertidos.

No início dos anos dois mil, em pleno inverno gaúcho, estive em Porto Alegre a convite de um amigo editor de livros, que me contava maravilhas dos vinhos e das vinícolas do Rio Grande. Bairrismos à parte, ele me convenceu quando descreveu alguns dos passeios pela região de Bento Gonçalves, e me ofereceu um "Tour" pelas vinícolas do interior do estado. Adorei a chance de unir a minha bebida favorita com conversas sobre escrita criativa.

Hoje tenho convicção de que a viagem era o pano de fundo para descobrir sua opinião sobre o meu livro, que estava para ser publicado por sua editora e passava por um processo de revisão interminável. Eu desconfiava que aceitar a publicação do romance era uma atitude de respeito em relação a nossa amizade e não tinha relação alguma com a qualidade do texto.

O Marcos sempre repetia que o que separa um escritor talentoso de um esforçado é a verdade que ele leva para o leitor. Escutar os sempre valiosos conselhos era, na verdade, a finalidade daquela viagem, e eu me esforçava para que ele não percebesse.

Sempre muito gentil, ele foi me buscar no aeroporto Salgado Filho. Fazia muito frio naquela noite e ele me levou diretamente para o hotel. Era um estabelecimento tradicional no centro de Porto Alegre, que comentavam ter o Mario Quintana morado lá até sua morte. Achei que seria perfeito para a finalidade, e tinha tudo a ver com minha ambição de ser escritor.

Na manhã seguinte, no horário marcado, lá estava Marcos dentro da Van: com mapas, ingressos para a visita aos parreirais, colheita de uvas ao entardecer, degustação orientada de vinhos e um jantar harmonizado no encerramento. Isso era novo para mim, que nunca havia imaginado passar por essa experiência. Fiquei impressionado com o detalhamento da agenda de atividades que ele elaborou. Só mesmo um amante do vinho proporia esse tipo de passeio.

Iniciamos o trajeto de subida à serra conversando amenidades, coisas do cotidiano, logo perguntei sobre a história do hotel. Meu amigo não hesitou e narrou com orgulho a história do famoso hóspede, que por lá viveu seus últimos dias pelo obséquio de um antigo jogador de futebol do escrete brasileiro. Reza a lenda que Quintana, no fim dos seus dias, não tinha dinheiro para viver sem a ajuda dos admiradores.

O trajeto transcorreu sem sobressaltos, falamos por horas sobre os vários assuntos da atualidade e, principalmente, sobre a expectativa de uma administração trabalhista em nosso país. Ele/Marcos/Meu amigo mostrou esperança de seus negócios prosperarem e sobre o investimento que faria com a aquisição de uma gráfica. Ele era muito objetivo e fiquei também entusiasmado com seu projeto.

Quando chegamos ao nosso destino, de pronto imaginei que viveríamos uma experiência diferente e super agradável. A família proprietária da vinícola veio nos receber com taças de vinhos e bruschettas. Em seguida, nos levaram para conhecer a vinícola por dentro, para aprender sobre o processo produtivo da bebida e sobre a história do negócio familiar.

Depois de termos degustado variados vinhos da sua produção, fomos diretamente colher as uvas nos parreirais, que foram depois separadas para tomar parte de uma safra especial, que levaria os nomes dos visitantes. Diga-se de passagem, uma atividade bastante divertida e atrapalhada para quem, como eu, nunca havia experimentado. Terminamos com um magnífico jantar em uma mesa enorme posta em meio às uvas, regado por vinho à vontade e farta comida portenha.

Quando finalmente terminou o programa, após um lindo entardecer em que pude contemplar a luz do sol se esvaindo por detrás da plantação, e inebriado pela experiência ali vivida, percebi que só me tornaria um escritor se pudesse levar nas minhas histórias a verdade e a emoção que havia experimentado. Recebi, sem uma única palavra, a lição que todo aspirante a escritor deve receber.


Holbein Oliveira de Menezes Filho é natural do Rio de Janeiro, Engenheiro com pós-graduação em Engenharia econômica - UVA, MBA em Gestão pela qualidade total - UFF e Mestre em Administração e Desenvolvimento de Negócios - MADE/UNESA. Sua trajetória profissional foi forjada na indústria do entretenimento, com passagens pela TV Globo, Videolar, Sony Music, Datarius e Universal Music. Participa do Curso Online de Formação de Escritores

 

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